terça-feira, 24 de agosto de 2010

Lucas


Lucas Raduenz, seis anos, acorda todos os dias de manhã cedinho, veste o uniforme e na carona no carro com a mãe, vai até a escola. Como todo aluno, prefere muito mais a diversão de brincar com bolas que as aulas teóricas. Ao meio dia retorna para casa, e segue com atividades complementares todas as tardes, desenvolvendo suas habilidades motoras, intelectuais e sociológicas.

Kate Regina Bruch Raduenz se reveza entre cuidar da casa e do pequeno filho. De manhã o leva para a escola, à tarde para as atividades ocupacionais. Sempre sorridente, é admirada pela maioria das outras mães sempre que chega ao colégio, afinal, há tantos motivos assim, na vida de qualquer pessoa, para sorrir? Segundo Kate, sim. E são vários.

Quando Lucas nasceu, há seis anos, veio de uma gravidez altamente planejada. “Desejávamos muito a criança. O primeiro presente que o pai dele deu, foi um sapatinho do Flamengo, já imaginando os primeiros chutes, lá pelos dois anos”.

Bom, aos quatro meses, a notícia que mudaria tudo então chegou. Lucas teria algum tipo de limitação, que seria descoberta quase um ano depois, quando o mesmo já tinha um ano e alguns meses. A Síndrome de Arnold Chiari (tipo 01) só apareceu depois de uma tomografia computadorizada, mas nada que impedisse o menino de ter uma vida como a dos demais da mesma idade que ele.

“Sabemos das limitações, mas desde pequeno ele é acompanhado por profissionais que estimulam o desenvolvimento dele”. Hoje, como todas as crianças consideradas ‘normais’, Lucas frequenta uma escola regular da cidade, à tarde, no contra turno, diferente dos que jogam bola, fazem aulas de inglês ou outras atividades, ele vai a APAE de Pomerode receber atenção mais especial do que a recebida na escola, através de profissionais qualificados, prontos para atender todas as necessidades do garoto.

Sem lágrimas ou lamentações, Kate admira cada pequena vitória de Lucas, “desde o primeiro passo que ele deu, no dia 16 de janeiro, até o dia em que ele conseguir falar, são os pequenos gestos que lá em casa comemoramos muito. Na escada, por exemplo, eu fico em baixo e o pai do Lucas em cima, estimulando para que cada degrau que ele suba, seja uma conquista, assim como vai ser na vida dele”.

A primeira bola que Lucas chutou com o pai não foi aos dois anos, como o desejado. Mas, assim como todas as crianças como ele, que têm limitações visíveis aos olhos, (muitas vezes pré-conceituosos) demorem um pouco mais para realizarem velhos sonhos. O pequeno já bate bola com o pai, e bate bola desde seus quatro anos. “Quer ver o Lucas feliz é dar uma bola para ele, e não importa se são baratas ou caras. O que importa na verdade é a bola, não a marca, não o valor do presente”.

O sorriso no olhar de Lucas foi visível no momento em que encontrou a mãe na sala em que a conversa acontecia. Foi como se enfim, encontrasse novamente seu porto. “Ele adora vim para cá, fica ansioso. Mas quando vê o carro na hora em que venho para busca-lo, ele já vem comigo. Se tenho que acertar alguma coisa na secretaria, já peço para as professoras não deixarem ele me ver, porque se me enxerga, já quer vim comigo”. Kate também contou que quando chega à sua casa, a espera continua dessa vez pelo pai. “Quando escuta o barulho do carro, já olha e solta: ‘papai’, é emocionante!”.

Talvez nos primeiros dias, após a descoberta da síndrome a mãe pensasse como seria se Lucas fosse uma criança sem limitações. “Há cinco anos, sim, hoje não. Ele me trás muito mais felicidade do que talvez uma criança normal me trouxesse. Para nós, tudo é motivo de comemoração. Um sorriso, um abraço, um carinho dele é motivo de festa na família. Teríamos condições de dar tudo a uma criança normal, mas temos condições de dar a uma especial como é o Lucas, e pode ser que ele tenha chegado em nossas vidas para mudar a nossa. Sempre me perguntava o ‘porquê’, hoje, a pergunta que gosto de pensar é ‘pra que’, e as respostas são muitas, guardadas comigo ou contadas por aí”.

Ser feliz para deixar Lucas feliz é a regra da casa. Guardar muitas tristezas, até na hora da doença ou dificuldades diárias esconder o mau humor e revertê-lo com um sorriso de boca a boca é a solução que muitos deveriam adotar para a rotina.

“As mães me perguntam como consigo ser sempre tão feliz com ele. Algumas até falam: ‘você sempre está sorrindo quando vem com o Luquinhas nos braços’. Diferente delas, eu vibro com todas as conquistas dele, não apenas com o dez no boletim, eu aprendi a comemorar quando ele bate palmas, quando da um passo. Não preciso presentear ele com brinquedos de R$500 reais para mostrar o quanto gosto dele, e tento passar isso para elas”.

A vida deles não é como a de todos, tem limitações, mas nos finais de semana, durante os momentos de lazer, Lucas joga bola, sai passear, sobe até em árvore “coloco ele nos meus braços e subimos junto na jabuticabeira”.

O sonho do pai de bater bola com o filhão, também não saiu de cena. Lucas é completamente apaixonado por isso e a realização de um pai, ao torcer com o filho vendo um jogo de futebol, do time que passou de geração para geração, é igual em qualquer família, até na de Lucas. Na escola, o garoto tem aulas de alemão, robótica, português, como qualquer outra criança. Calmo, não revida brigas, e não suporta a ideia de discussões. Carinhoso, ganha cafuné de todos que estão ao seu redor. Suas limitações podem até ser aparentes, mas o sorriso que sempre estampa seu rosto é impagável, indescritível, inenarrável.

“A neurologista sempre fala: Kate, o que você achar normal? Alguém saber falar, andar, correr. Alguém não saber memorizar verbos, não aprender matemática, ter limitações. Afinal, o que é normal?”. Afinal leitor, o que é normal?

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